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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Crimes perdoados por falta de cela


O caos no sistema prisional do Entorno preocupa as autoridades. Juízes têm mandado soltar presos que cometem crimes de menor gravidade, como furtos e os cometidos contra o patrimônio, a fim de não agravar ainda mais a superlotação das cadeias públicas. Em Planaltina de Goiás, a situação é descrita como a mais grave pelo Ministério Público de Goiás (MPGO). O presídio conta com instalações precárias datadas de pelo menos meio século e com vaga para 100 presos. No entanto, o número atual é quase o dobro do permitido, com 188 detentos, sendo 140 em regime fechado, dividindo cela sem distinção de grau de periculosidade.
Atualmente, são 12 mil processos pendentes de análise e julgamento na Comarca de Planaltina de Goiás. O esforço para dar conta do trabalho é feito por menos de 30 servidores efetivos do Tribunal de Justiça. “Por causa da superlotação, somos obrigados a soltar os casos simples ou médios. Nesse sentido, o juiz acaba não sendo tão rigoroso. Essa é uma realidade no país todo”, admitiu o juiz Alano Cardoso e Castro.

“Questão de meses”

Em Planaltina de Goiás, o presídio fica ao lado da Escola Sonho Encantado e de uma creche. Não raras vezes, professores viram fugitivos pular o muro e invadir o espaço destinado à educação dos pequenos. Em relação ao fato de colégio e presídio estarem perto um do outro, o secretário de Segurança Pública e Justiça de Goiás, Jão Furtado de Mendonça Neto,p2 disse, por meio de nota, que “a proximidade da Escola Sonho Encantado com a Cadeia Pública é mais da responsabilidade da escola do que da cadeia, já que ela (escola) veio depois”. Ele ainda afirmou que o fato o preocupa muito e que a convivência, embora pacífica até agora, é temerária. Mendonça Neto destacou que o governo irá construir presídios e que a “perigosa vizinhança escola-cadeia deixará de existir em apenas questão de meses.”
Dentro da cadeia, as celas são escuras, superlotadas e não há condições de higiene, conforme apontou relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Diante desse cenário, há três anos, a promotora Patrícia Teixeira Guimarães Gimenes, coordenadora do Projeto do Entorno no MPGO, vem pedindo a interdição do local. Em caráter liminar, ela solicitou providências à Justiça, mas o mérito ainda não foi julgado. “O problema está no limite. Quando a gente chega ao ponto de entrar com processo é porque todas as outras alternativas já foram esgotadas”, destacou a promotora. Segundo o juiz Alano Cardoso, a análise da liminar está pendente devido a trâmites burocráticos. “O processo está em fase final. Ele foi encaminhado para manifestação do estado de Goiás e mandado para Goiânia para poder sair a sentença. Toda vez a intimação é feita pessoalmente, por isso a demora”, explicou Cardoso.
Mas para o magistrado, a questão do presídio de Planaltina de Goiás não será resolvida com interdição. “Vai fazer o quê? Interditar e colocar presos perigosos na rua? O presídio de Formosa foi interditado há seis anos e continua funcionando da mesma forma. No fim das contas, a canetada não resolve e quem paga é a sociedade”, defendeu Alano Cardoso.

Entorno exige ação global e integrada

Há seis meses atuando no Entorno, a Força Nacional de Segurança não conseguiu diminuir o alto índice de violência da região, onde a taxa de homicídios é quase quatro vezes maior do que a considerada normal (10 por 100 mil habitantes) pela Organização Mundial da Saúde: 39 mil por 100 mil habitantes. Era previsível, até pelo antecedente — a tropa também obteve resultados inexpressivos de outubro de 2007 a outubro de 2009, quando lá esteve.
Com toda sorte de carências, os 19 municípios goianos inseridos no território não contam sequer com uma cadeia pública decente. Ao contrário, mantêm 1.956 presos em 1.044 vagas criadas em delegacias adaptadas na base do improviso, deficit que cresceu 40% apenas nos últimos quatro meses. Para agravar, o Ministério Público de Goiás (MPGO) informa haver 6 mil mandados de prisão não cumpridos e 10 mil inquéritos parados.
A situação explosiva, a poucas dezenas de quilômetros da capital federal, não é novidade. Há décadas alerta-se para a sua periculosidade. Há décadas chegou-se à conclusão de que a tarefa somente será levada a cabo com atuação integrada dos governos federal, goiano e do DF. Apesar do consenso quanto ao tipo de saída para a pacificação, a ação política rasteja, enquanto a criminalidade galopa.
Resultado: com o tempo, as cidades circundaram os barris de pólvora em que se tornaram as cadeias, que hoje dividem muros com residências, comércios e até creches e escolas. Depois de inúmeras ações judiciais infrutíferas contra o governo de Goiás, o MPGO propõe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Assinado em 8 de setembro, o acordo, contudo, já tem prazos contestados.
Ciente do quadro explosivo, a presidente Dilma Rousseff solicitou aos governadores Agnelo Queiroz e Marconi Perillo, em setembro, um levantamento das necessidades. Ainda não entregue, o documento aponta urgências como a construção de 11 presídios, a instalação de 20 unidades de polícia pacificadora nos moldes das cariocas, a contratação de 5,3 mil (hoje são 2,7 mil) profissionais para a área de segurança pública e a compra de armas, equipamentos, móveis etc. O pacote de obras custaria R$ 500 milhões; a manutenção do quadro de pessoal e as despesas com armamento e custeio, R$ 620 milhões anuais.
Primeiro, é preciso encaminhar o relatório o quanto antes para a análise da Casa Civil da Presidência da República. Segundo, não se pode olhar para a criminalidade de forma isolada. Enquanto a região for terra de ninguém, sem trabalho, ensino, saúde, infraestruturas viária, de saneamento e de energia elétrica, a vida da bandidagem — não a do cidadão — é que estará facilitada. Portanto, a atuação precisa ser  não apenas integrada (os 19 municípios e o DF reúnem 4 milhões de pessoas), como global.

Fonte: Jornal Correio Braziliense

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