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sábado, 27 de julho de 2013

O medo que virou rotina

Relatos de moradores das mais diversas regiões da capital mostram que a sensação de insegurança não está restrita a nenhuma camada social.

O avanço da criminalidade em Goiânia, nos últimos anos, alterou a rotina do goianiense e impôs um sentimento de insegurança até quando se está dentro de casa, mesmo com circuitos de filmagem, alarmes, cercas elétricas, guardas terceirizados e cães. O POPULAR esteve na última semana em 15 bairros da capital, da periferia aos condomínios fechados, e o que ficou nítido na fala dos moradores entrevistados é que as restrições geradas por esse contexto independem de local, região e classe social. O medo tem interferido no direito de ir e vir do cidadão e na realização de desejos simples, como sair para jantar com a família.

Em comemoração aos seus 75 anos, em 3 de abril, e aos 80 anos de Goiânia, em 24 de outubro, O POPULAR traz hoje reportagem especial com uma radiografia dos números da violência em Goiânia e mostra como o sentimento de insegurança tomou conta da população. Essas reportagens estão sendo publicadas desde janeiro e continuarão até o fim do ano.

Numa retrospectiva dos últimos três anos, o primeiro semestre de 2013 ficou marcado pelo aumento de ocorrências em 10 das 14 modalidades de crimes consideradas prioritárias pela Secretaria Estadual Segurança Pública (SSP-GO). Os destaques ficam com latrocínio, que passou de quatro registros, entre janeiro e junho de 2011, para nove no mesmo período deste ano, com aumento de 125%, e roubo à residência, que elevou o total de 149 para 255, uma acréscimo de 71,1%. Seguindo a mesma tendência, constam, ainda, roubo de veículos e a transeuntes, homicídio doloso, furto e roubo a estabelecimentos comerciais.

Raro é encontrar aquele que ainda não foi vítima da criminalidade ou que não conhece alguém próximo que tenha passado por tal situação. O comum, conforme verificou a reportagem, é localizar facilmente exemplos de pessoas que já foram vítimas mais de uma vez, que têm exemplos na família, na vizinhança, no trabalho, e com relatos sucessivos sobre uma realidade que tem aprisionado e limitado cada vez mais os inocentes. “Não estou podendo aproveitar nem a minha casa direito”, lamenta o empresário Silvânio Ferreira Lima, de 44 anos e morador do Jardim América.

Em março, ele organizou uma festa em casa para comemorar o próprio aniversário e três carros de amigos que ficaram estacionados na rua foram arrombados. A violência foi só mais uma em meio às tantas já sofridas por Silvânio, mas que lhe mostrou a que ponto a situação chegou. Desde então, ele, que mora numa residência com cerca elétrica, alarme e câmeras internas e externas, passou a controlar as próprias atividades dentro de casa e evitar ficar até tarde no quintal ou à beira da piscina. O empresário é pai de três filhos pequenos e está indignado, pois nem ele nem a família podem aproveitar como queriam os frutos colhidos com o trabalho.

O investimento nos aparatos de segurança foi motivado pelo assalto ocorrido há três anos, no salão da esposa, que fica ao lado da casa. Isso, no entanto, não resgata a sensação de segurança de Silvânio. “Nem na igreja eu me sinto tranquilo, porque conheço gente que já teve carro roubado na porta, enquanto rezava”, conta. Há duas semanas, ele foi vítima de mais uma investida de criminosos, que quebraram a porta de ferro da oficina dele, durante a madrugada, e levaram cerca de R$ 8 mil em peças e equipamentos. As trancas e fechaduras tiveram de ser reforçadas.

Comércio

O roubo a estabelecimento comercial aumentou 16,3% no comparativo entre o primeiro semestre deste ano e o mesmo período de 2011. Em relação a 2012, o crescimento chega a 19,3%. A tendência não é nada animadora para os comerciantes, que já convivem com a insegurança diariamente. “Virou profissão de risco”, afirma o dono de mercearia e morador do Jardim Itaipu, Região Sudoeste de Goiânia, Oziel Alves Afonso, de 33 anos. O comércio dele já foi assaltado três vezes e, numa quarta situação, dois clientes foram abordados na porta por dois homens, que levaram todo o dinheiro.

Hoje, Oziel só trabalha com as portas fechadas. Essa foi a forma que ele encontrou para tentar inibir a audácia dos assaltantes. O comerciante instalou portas de vidro e uma campainha, com o aviso para o cliente de que é preciso acioná-la para ter a entrada permitida. Além disso, investiu também no circuito de imagens pela segunda vez - na primeira os ladrões não deixaram nem as câmeras para trás. Oziel reconhece que isso não garante a segurança, principalmente em comércio, onde se deve, em tese, atender a todas as pessoas e, muitas vezes, sem saber exatamente quem elas são. “Trabalho o tempo todo preocupado”, diz.

A recorrência de casos já gerou consequências no atendimento e na quantidade de clientes, que diminuiu. A funcionária que trabalhava com Oziel ficou traumatizada e pediu demissão depois que teve uma arma colocada na cabeça e foi obrigada a deitar no chão. Oziel diz que já pensou até em fechar o estabelecimento ou em deixar o bairro, mas o problema não é só no Jardim Itaipu. “É em todo lugar”, afirma.

Do Residencial Maringá ao Setor Oeste

A tranquilidade só existe plena para quem vive certo de que existem pessoas olhando por si 24 horas por dia. Esse é o caso do cirurgião dentista Lélio de Oliveira Júnior, 40 anos, morador do condomínio fechado Alphaville Flamboyant. Ele, que já morou em apartamento no Setor Oeste e que já experimentou a ação de criminosos ao ser assaltado na porta do prédio e ter o carro levado, diz que hoje não trocaria o sossego do novo lar pelo risco que existe do lado de fora. Até mesmo em razão das filhas adolescentes, que, conforme ele, podem brincar nas vias do condomínio e andar de bicicleta até tarde da noite.

Lélio guarda na memória o assalto sofrido e a maneira violenta com que foi abordado pelos ladrões. Na época, ele ficou quase um mês sem dormir direito, traumatizado e se recordando dos instantes em que “a vida inteira lhe passou pela cabeça em 20 segundos”, descreve.
O marido da costureira Jenipha Martins Mesquita, de 26 anos, teve a moto roubada duas vezes em um período de 15 dias. Na primeira situação, ele conseguiu recuperá-la, mas duas semanas depois ele voltou a ser vítima da ação de assaltantes e nunca mais recuperou o veículo. Ela é moradora do Residencial Maringá, Região Noroeste de Goiânia, uma das mais violentas da capital. Jenipha já foi vítima de assalto dentro do ônibus, no Terminal da Praça A. Na época, levaram a carteira da moça, com todo o dinheiro do salário que ela havia acabado de receber.

Ela, o marido e a filha vivem em casa, só saem em situações extremas e nunca deixam a residência sozinha. “Devíamos ter pelo menos segurança e saúde, que são o mínimo, mas nem isso”, lamenta.

Fonte: Jornal O Popular

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