Presente no Código Penal desde
1940, o crime de formação de quadrilha deixa de existir a partir de hoje e
passa a ser substituído pela associação criminosa, com a entrada em vigor da
Lei nº 12.850. A nova definição, porém, poderá livrar empresários que cometerem
fraude, evasão fiscal ou crimes financeiros da condenação por associação
criminosa.
Até então, os empresários que
respondiam por esses crimes podiam ser acusados e condenados por formação de
quadrilha, cuja pena variava de um a três anos. Integrantes do Ministério
Público, da polícia e do Judiciário entendiam que era possível enquadrá-los no
artigo 288 do Código Penal.
O dispositivo que trata da
formação de quadrilha ou bando prevê que o delito deve envolver mais de três
pessoas para o fim de cometer crimes. Com a nova lei e o acréscimo da palavras
"fim específico" na descrição do crime, condenações ficarão mais
difíceis na interpretação de especialistas.
O advogado criminalista Rogério
Taffarello, do Andrade e Taffarello Advogados, também avalia que o novo texto
deve evitar que novos empresários respondam por esse crime. Para ele, porém, a
nova redação apenas deixa mais claro o que a lei já previa para a formação de
bando ou quadrilha. "Uma associação entre pessoas para constituir uma
empresa jamais poderia ser confundida com uma quadrilha ou bando, ainda que
durante sua vida social, eventualmente, se pratique delitos de qualquer natureza",
afirma.
A confusão, segundo o advogado,
teria levado o legislador a se preocupar em deixar expresso na lei a
necessidade de as práticas criminosas terem a finalidade específica de
associação. "Muitos distorciam a interpretação que, agora, é inequívoca",
diz.
Já o criminalista André Kehdi, do
escritório André Kehdi e Renato Vieira Advogados, afirma não estar tão otimista
quanto à redução das denúncias de empresários. Para ele, a redação melhorou com
relação à finalidade específica, mas piorou ao reduzir para três o número de
pessoas, que antes eram quatro para caracterizar bando ou quadrilha.
"O
Ministério Público nunca se preocupou com os demais elementos, salvo o número
de pessoas. Cerca de 99% das denúncias antes da alteração legislativa já estavam
erradas. E não acredito que isso vá mudar agora, infelizmente", diz.
A norma também cria um novo tipo
penal, a "organização criminosa". Pela lei, trata-se de uma
associação de quatro ou mais pessoas "estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de
obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos,
ou que sejam de caráter transnacional".
Advogados, integrantes do MPF e
delegados de polícia concordam que a legislação trouxe enorme avanço com a
definição desse conceito, presente até então apenas na literatura. Apesar da
falta de previsão legal, a ideia já era usada em decisões dos tribunais
superiores.
A pena prevista, nesse caso, é de
três a oito anos de reclusão, podendo aumentar em até 50% para organizações que
usam arma de fogo. Ocorrerá a majoração de até dois terços se houver
transnacionalidade, participação de criança ou adolescente, ou ainda participação
de funcionário público valendo-se dessa condição.
Para Carlos Eduardo Benito Jorge,
presidente em exercício da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
(Adepol-BR), a lei traz uma grande contribuição e a partir de agora será mais
fácil enquadrar os participantes das organizações criminosas. "Como não
havia previsão legal para isso, no máximo conseguíamos enquadrar como formação
de quadrilha." Para ele, a norma será uma importante ferramenta de combate
ao crime organizado.
Advogados, no entanto, dizem que
as punições são extremamente severas. "A pena por participar de uma
organização criminosa por si só já será bem alta. Com isso, vamos assistir com
maior frequência casos que resultem em prisões", diz Ricardo Lima Melo
Dantas, do Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados. Em geral, o condenado
por organização criminosa deve responder por outros crimes e essas penas serão
somadas.
Para André Kehdi, a definição de
organização criminosa pode dar margem para a interpretação de que se pode
condenar até mesmo quem ainda não praticou qualquer ato criminoso, apenas pela
simples organização. " O meu medo é banalizar o uso desse tipo penal, como
ocorreu com a formação de quadrilha ou bando, e que isso sirva de componente
obrigatório em qualquer denúncia", diz. Para ele, uma lei mais rígida não
inibirá a criminalidade.
A nova lei, no entanto, reduziu o
agravante da organização que atua armada. Pelo Código Penal, essa pena poderia
dobrar. Agora, só pode aumentar em até 50%. Kehdi ressalta que isso poderá ser aplicado
aos casos em andamento, já que o réu pode utilizar norma mais benéfica a seu
favor, mesmo que editada posteriormente.
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