Edemundo Dias de Oliveira deixa Sapejus após
reportagem mostrar privilégios de presos em penitenciária.
Diante do colapso do sistema prisional, cada vez
mais afundado em denúncias de irregularidades, o governador Marconi Perillo
(PSDB) exonerou ontem o secretário de Administração Penitenciária e Justiça,
Edemundo Dias de Oliveira Filho, e o superintendente-executivo da pasta,
Antônio Carlos de Lima. O titular da Secretaria de Segurança Pública (SSP),
Joaquim Mesquita, passa a ocupar, interinamente, o cargo de Edemundo Dias e o
superintendente-executivo da SSP, coronel Edson Costa Araújo, assume o lugar de
Antônio Carlos. As funções serão acumuladas.
O mal-estar no governo se intensificou depois de o
programa Fantástico, da Rede Globo, mostrar geladeiras e aparelhos de TV em
celas da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), a maior do Estado. A unidade
fica no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da
capital. Edemundo Dias disse desconhecer as regalias, mas não autorizou a
entrada da equipe de reportagem no presídio. O governador teria ficado irritado
com a postura do auxiliar, que também não comunicou à equipe de comunicação do
governo sobre a produção do Fantástico, conforme antecipou, com exclusividade,
ontem à noite, o Blog do Jarbas, no site do POPULAR.
Marconi assinou, no início da noite de ontem, o
decreto com as nomeações de Joaquim Mesquita e de Edson Costa. A tendência é
que eles acumulem funções na SSP e na Secretaria de Administração Penitenciária
e Justiça (Sapejus) até o fim do mandato tucano. Oficialmente, o governo
informou que Edemundo Dias e Antônio Carlos pediram exoneração, mas a
reportagem apurou que a decisão partiu do próprio governador.
Pouco depois da decisão do governador, Edemundo
Dias disse, por telefone, que se encontrou com Joaquim Mesquista, na casa do
ex-prefeito de Goiânia Nion Albernaz. “Estamos aqui para tratar de algumas
ações. É coisa normal, reunião comum”, afirmou o ex-secretário. Joaquim
Mesquita terá de se desdobrar na gestão de duas áreas para combater a
criminalidade, comandada de fora e de dentro dos presídios.
No ano em que o governador definiu como o da
segurança pública, a capital registrou, até ontem, 280 homicídios. Entre o fim
da noite de domingo e madrugada de ontem, a polícia registrou 11 homicídios na
cidade. Foi a segunda noite de onda de crimes em Goiânia desde o início da Copa
do Mundo. No fim da última semana, na madrugada de quinta para a sexta-feira,
14 pessoas foram assassinadas, num intervalo de 9 horas na capital.
Desafio
O desafio se impõe. Em abril, O POPULAR divulgou
entrevista concedida, por telefone celular, por um preso da POG. Ele contou que
é normal os crimes serem comandados de dentro do presídio. “É normal mandar
matar, mandar roubar, mandar traficar, daqui de dentro”, contou ele, na
ocasião, acrescentando que, pela TV, sabem que a ordem foi cumprida. “Através
da televisão. No outro dia você vê a reportagem”, emendou o detento do regime
fechado.
Outra reportagem do POPULAR revelou, em janeiro,
como é a hierarquia entre os detentos do maior presídio goiano e a maneira como
eles ditam as regras. Na época, Antônio Carlos, enquanto interino da Sapejus,
admitiu que o crime organizado determina regras e domínio nos presídios. No dia
seguinte, ele negou.
Decretada situação de emergência
Pressionado pela calamidade das unidades prisionais
em Goiás, o governador Marconi Perillo (PSDB) decretou ontem situação de
emergência no sistema penitenciário do Estado. O decreto tem validade de 180
dias e pretende agilizar a contratação de empresas para a construção de
presídios, com abertura de 600 vagas, na região metropolitana de Goiânia, pelo
regime diferenciado de licitação, o que também é usado pelo governo federal
para as obras dos estádios da Copa do Mundo.
O decreto saiu quatro meses depois de ser
anunciado, oficialmente, conforme mostrou O POPULAR, em fevereiro. Com a
medida, o governador do Estado reconhece que a falta de vagas no sistema
prisional goiano ocasiona “atos de violência e morte, provocados pela população
carcerária” e violação de direitos humanos das pessoas privadas de liberdade.
O decreto autoriza a alocação de recursos do
tesouro estadual até o limite de R$ 33 milhões, para o custeio de obras e
serviços de engenharia para construção, reforma e ampliação de unidades
prisionais. O valor também engloba a aquisição de equipamentos necessários para
o seu funcionamento.
As 600 novas vagas autorizadas pelo decreto
correspondem a apenas 8,5% do total que falta no sistema prisional,
considerando o déficit (7 mil vagas) relatado pela Secretaria de Administração
Penitenciária e Justiça (Sapejus). Na avaliação de especialistas, a solução não
está somente na abertura de novas vagas nos presídios, embora reconheçam que
elas amenizam o problema da superlotação.
Concurso público
O decreto emergencial também permite a realização
de concurso público para provimento de até 305 cargos de agente de segurança
prisional. Além disso, autoriza a realização de processo seletivo simplificado
para a contratação de até 644 vigilantes penitenciários temporários. Os dois
processos, segundo o governo, já estão em andamento na administração estadual.
Reportagem do POPULAR mostrou, em janeiro, como o
déficit de profissionais agrava a insegurança no sistema prisional. Na
Penitenciária Odenir Guimarães (POG), localizada no Complexo Prisional de
Aparecida de Goiânia, apenas 14 agentes vigiam, em média, por dia, 1,6 mil
presos. A reportagem mostrou que, dos 1,5 mil agentes de segurança prisional no
Estado, 40% são concursados e 60%, contratados.
Vice-presidente da Pastoral Carcerária Nacional,
Petra Sílvia Pfaller criticou a política de encarceramento em massa. “Se
presídio resolvesse violência, o Brasil deveria estar muito bem”, criticou ela.
Ex-secretário nega ter dito que desconhecia
O ex-secretário de Administração Penitenciária e
Justiça Edemundo Dias de Oliveira Filho negou ontem ter dito ao programa
Fantástico, da Rede Globo, que desconhecia regalias de presos da Penitenciária
Odenir Guimarães (POG), a maior do Estado. “A resposta que dei para o
jornalista foi editada”, disse ele. “O que saiu foi só um pedaço da resposta,
como se eu estivesse negando o conhecimento de uma realidade”, reclamou.
Edemundo sugeriu que houve mal-entendido. “O
jornalista falou que tinha algumas denúncias de regalias de presos, eu
respondi, ‘eu desconheço.’ Não sou o diretor da cadeia nem o superintendente de
Segurança. Sou responsável por estabelecer as políticas do Estado todo, como
ele me perguntou uma questão pontual, eu respondi que desconhecia”, alegou ele.
O uso de TV, aparelhos celulares e geladeiras nas
celas é comum, confirmou o ex-secretário, ao POPULAR. “Eu mesmo já disse isso,
jamais neguei e não negaria”, acentuou Edemundo Dias. Reportagem de dezembro de
2012 mostrou detentos jogando sinuca dentro da Ala B da POG.
O ex-secretário admite que a discussão sobre o
sistema prisional deve ser muito mais ampla, em vez de, segundo ele, ficar
restrita a “questões pontuais.” Ele aponta que a instalação de bloqueadores de
celular nos presídios é uma medida de urgência.
MP-GO e OAB criticam política
O encarceramento em massa é uma política
penitenciária equivocada. A avaliação é do promotor de Justiça Haroldo Caetano,
que atua na área de Execução Penal em Goiânia, e do advogado Rodrigo Lustosa,
presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal da Ordem dos
Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO).
O promotor classificou como “sensacionalista” a
reportagem do Fantástico, da Rede Globo, exibida no domingo, sobre supostas
regalias de presos em Goiás. “A reportagem ficou na superficialidade”, disse
ele, para emendar: “Enquanto a questão do encarceramento em massa não for
enfrentada, seguiremos com esta situação apresentada no programa de domingo
como algo rotineiro. É impossível manter os índices atuais de encarceramento
sem que se faça a violação de direitos humanos”, observou.
Para Lustosa, trocar o titular da Secretaria de
Administração Penitenciária e Justiça (Sapejus) não é suficiente para resolver
a precariedade do sistema prisional. “Não basta apenas trocar os nomes. Não
existe crise, mas a continuidade de políticas ineficientes”, criticou ele.
Países europeus têm registrado sucesso em adotar
medidas na perspectiva da Justiça Restaurativa e Justiça Terapêutica, que
também são implementadas no Brasil, mas com pouco apoio.
Fonte: Jornal O Popular